outubro 25, 2007

Beijocas estaladas

Ai, ai! Essa sessão é sempre especial para mim, mas hoje vou mandar beijocas para pessoinhas que eu adoro. Carol, minha amiga-poia-irmã, que sumiu do mapa, mas que eu a amo mesmo assim, pois amigo que é amigo entende quando o outro some, quando está apaixonado [hihihi]. Vanessinha, que tornou-se uma grande amiga já há algum tempo, mas que - por agora - eu é que sumi um pouquinho da vida dela (vamos começar o bota fora hoje, amiga). André Aquino, cara bacana com que eu estou tendo a honra de trabalhar, mesmo que seja por bem pouco tempo [sorte, amigo]. E para alguém que está longe dos olhos, mas perto do coração.
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a o s m e u s a m i g o s
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"Eu poderia suportar, embora não sem dor, que tivessem morrido todos os meus amores, mas enlouqueceria se morressem todos os meus amigos! A alguns deles não procuro, basta-me saber que eles existem. Esta mera condição me encoraja a seguir em frente pela vida... mas é delicioso que eu saiba e sinta que os adoro, embora não declare e não os procure sempre..."
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Vinícius de Moares

Para crimes iguais, tratamentos diferentes.

Eita Brasil!
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E o promotor continua solto...
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V - E - R - G - O - N - H - A !

FELIPE CRUZ entrevista GENETON MORAES NETO


j o e l s i l v e i r a
“FORAM 20 ANOS DE CONVIVÊNCIA"

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Na sua opinião quais seriam os grandes nomes do jornalismo atualmente?
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G - Eu admiro muita gente. Considero um privilégio ter vindo do Recife para cá, cumprindo um pouco aquela sina do nordestino de cair mapa abaixo até parar no Rio ou em São Paulo, e ter convivido com alguns de meus ídolos jornalísticos, como Paulo Francis, por exemplo. Eu o lia no Pasquim, no tempo da faculdade. Para mim, ele era uma figura meio mítica, que me deixava até meio constrangido. Conheci Paulo Francis pessoalmente aqui na Rede Globo e tivemos dez anos de convivência profissional. Era engraçado, porque eu até o evitava um pouco, por constrangimento. Minha relação com ele era a de um fã com o ídolo. Sua imagem pública era a de um homem ranzinza e agressivo, mas pessoalmente era uma pessoa muito generosa. Devo muitas coisas a Paulo Francis. Certa vez, ele me ligou de Nova York e disse: "Compre o Globo neste domingo. Você terá uma agradável surpresa." Fiquei imaginando o que poderia ser. Quando vi, ele havia escrito quase uma coluna inteira sobre meu livro "Dossiê Drummond", dizendo que tinha sido a melhor entrevista de Carlos Drummond de Andrade que ele já tinha lido; que a vida acadêmica no Brasil era uma droga e jornalistas como eu é que preenchiam as lacunas que a academia deveria preencher. Foi um dos maiores elogios que recebi em minha vida. Me senti muito lisonjeado e, para mim, foi como um diploma de jornalismo.
Meu último encontro com ele foi inesquecível. Eu estava em uma livraria em Piccadilly, no centro de Londres e, por puro acaso, estava na seção de clássicos. De repente, sinto um tapa nas minhas costas. Era Paulo Francis, que me disse: "Meus parabéns! Você está na única seção que presta nessa livraria." E esta foi a última coisa que ouvi dele.
Eu tentava trabalhar como uma espécie de “assessor” de Paulo Francis em Londres, sugerindo entrevistas para ele fazer na TV. Percebendo meu entusiasmo, ele certa vez me disse: "Você viu aquele filme 'Seven'?" Eu disse que sim. Com a minha animação em sugerir matérias e entrevistas, ele disse que eu parecia um dos personagens do filme: "Você se lembra do que o Morgan Freeman disse para o Brad Pitt no final do filme? 'O mundo é um belo lugar e vale a pena lutar por ele'. Eu concordo com a primeira frase."
Depois convivi com Joel Silveira. Nossa relação extrapolou para uma coisa muito mais pessoal . Foram 20 anos de convivência. Fizemos dois livros juntos. O texto de Joel Silveira sobre seu encontro com Getúlio Vargas, publicado em "Tempo de Contar", deveria ser reproduzido e distribuído em todas as escolas de jornalismo. É uma lição de como transformar um encontro fugaz em uma matéria. Mas essa é uma lição de todos os mestres; não só do Joel...
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É como no caso em que ele não conseguiu entrevistar Hemingway. Ele disse que, mesmo se não entrevistasse, já dava matéria...
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G - Em jornalismo aprendi o seguinte: não se desperdiça uma chance. Joel ficou constrangido de abordar Hemingway, que estava bebendo em um bar em Paris, no pós-guerra. Ele até disse, brincando, que o pior que poderia acontecer seria levar um soco e ser o primeiro jornalista brasileiro a apanhar de Ernest Hemingway. Por constrangimento, perdeu esta chance de abordá-lo. Também tenho minhas frustrações, no sentido de que deveria ter insistido mais com algumas figuras, como Glauber Rocha, por exemplo, que era meu ídolo. Tive a chance de conhecer Glauber Rocha quando estudei cinema em Paris, durante uma sessão exclusiva para críticos franceses de "A Idade da Terra", no início de 81. Glauber já estava doente e isso me deixou meio constrangido de insistir em uma entrevista com ele. Estava com um amigo e fui apresentado a Glauber: "Este é Geneton, lá do Recife.". Então Glauber perguntou por um amigo dele, de Recife. Depois virou para os críticos franceses e falou, com o francês carregado de sotaque nordestino: "Está aqui a juventude brasileira, estudando cinema em Paris. Esta é a juventude que vai fazer cinema!". Depois da exibição de "A Idade da Terra", um filme que estraçalha a narrativa tradicional do cinema, Glauber – que estava a três fileiras de distância – virou e nos perguntou, juntando os indicadores: "E aí? Vocês fizeram as ligações?". Acho até bom eu ter ficado com essa imagem de Glauber Rocha em vez da imagem de uma entrevista.
Teve um escritor pouco conhecido aqui, Antônio Carlos Villaça, autor de "O Nariz do Morto", que considero genial. Era uma figuraça. Vivia pobre, despojado de bens materiais. Chegou a morar de favor na sede do Pen Club. Eu o conheci pessoalmente; uma figura fisicamente estranha, mas os livros que ele deixou, como “O Nariz do Morto”, são exemplos de alta literatura. Cheguei a pensar em entrevistá-lo. Quem tiver interesse em conhecer a obra de um autor deve procurar, claro, seus livros. Mas as entrevistas permitem, eventualmente, que se revele algo sobre o homem e o que ele pensa.
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A pessoa por trás do texto...
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G - Isso fecha um ciclo de curiosidade sobre os autores. A única vantagem de você escrever e publicar é que, de certa maneira, você não morre. Dá a ilusão de ser um antídoto contra a morte. É engraçado dizer isso, mas a morte dos outros não me incomoda muito. Paulo Francis disse, certa vez, algo que fez o maior sucesso no Brasil: "Eu estou tecnicamente morto!", por se sentir deslocado no mundo medíocre das celebridades. Hoje, considero Paulo Francis e Joel Silveira tecnicamente vivos, porque a obra deles ficou ao alcance de nossas mãos. A pequena parte que me cabe, como jornalista, é zelar pela memória deles e transformar tudo o que tenho sobre eles em livros e artigos. Assumi o compromisso de reunir tudo o que tenho de Paulo Francis num livro – duas ou três entrevistas que fiz com ele, entrevistas que ele gravou para a Globo, histórias que ouvi, inclusive as que contei aqui. Fecharei um ciclo pessoal. Tudo o que ouvi de Paulo Francis e, eventualmente, poderá servir para os outros estará nesse livro. Pretendo fazer o mesmo sobre Joel. Sou meio rato de biblioteca. Guardo tudo. Em casa, tenho uma fita que gravei em 1973 com Caetano Veloso. Com o tempo, vira uma relíquia. Acho um absurdo quando vejo colegas jornalistas, após entrevistarem a maior celebridade, não guardarem a fita. É um sintoma do já citado imediatismo que contamina a profissão. Esse tipo de memória tem de ser preservada.zNo caso de Joel Silveira, além da convivência pessoal e profissional, guardei cerca de dez diálogos gravados com ele, ao longo de 20 anos. Eu e ele pensamos em reunir isso em um livro, pois terá utilidade ao menos para jornalistas e estudantes.
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Joel Silveira teve alguma inspiração no jornalismo literário americano?
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G - Não. Ele foi anterior. Sobre isso, que a justiça se faça. Até Joaquim Ferreira dos Santos escreveu um artigo sobre isso: as matérias de Joel Silveira foram anteriores às do Novo Jornalismo Americano. Sérgio Augusto reproduziu no livro "As Penas do Ofício" uma crônica sobre o livro de Joel, "Inverno da Guerra", onde ele diz que se Joel Silveira tivesse escrito aquela cobertura de guerra nos Estados Unidos, teria virado um roteirista de Hollywood, porque aquilo é cinematográfico. A matéria de Joel sobre os grã-finos de São Paulo foi escrita na segunda metade dos anos 40. Depois da morte de Joel, ouvi algumas gravações que fiz com ele. Numa delas, ele diz que esse texto dos grã-finos era mais uma crônica do que uma reportagem. Pretendo reunir todas estas histórias e conversas de Joel Silveira em, pelo menos, dois livros que estou devendo...
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Você diz que a casa de Joel Silveira na rua Sá Ferreira, era na realidade a escola de jornalismo da rua Sá Ferreira. Hoje, se pudéssemos eleger uma nova “escola de jornalismo” onde seria este lugar e com quem?
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G - Eu aconselharia as estantes de jornalismo das livrarias. O Brasil vive uma crise do texto jornalístico. Não sou eu quem faz esse diagnóstico, nem tenho essa pretensão. Zuenir Ventura já falou sobre isso. Caímos no extremo oposto ao que antigamente se chamava "nariz de cera" – introduções intermináveis, marcadas por aquela sub-literatura que jornalista adora fazer, eu inclusive. Com o tempo houve esta modernização, tentou-se fazer com que o texto jornalístico fosse mais objetivo, até que caímos nesse extremo oposto - que Nélson Rodrigues chamaria de "aridez lunar": o texto sem vida nem graça. Uma frieza que matou, aos poucos, o jornalismo. Você abre o jornal e parece que foi tudo escrito por uma só pessoa. Não é possível que entre os leitores não exista alguém que prefira um texto com um toque minimamente pessoal. Um exemplo: li uma entrevista com Itamar Franco onde não se via uma linha descritiva sequer sobre onde e como ele estava, como foi o encontro com o repórter. Nada. Apenas aspas e aspas. Para um leigo, passa a impressão de que o jornalista é o inimigo número um do texto e da informação. A palavra de ordem parece ser "não passe de dez linhas", como se escrever e ler tivesse virado um fardo. É lamentável constatar que nos dias de hoje não existiria lugar para um Joel Silveira. Rubem Braga tem um texto genial. A descrição que ele faz, no livro "Crônicas da Guerra na Itália", da partida deles de navio para a cobertura da guerra na Europa é alta literatura. É algo que jamais seria publicado, hoje, em jornal. É um assunto sobre o qual os diretores de jornal deveriam fazer um exame de consciência: por que um repórter como Joel Silveira não conseguiria publicar um texto nos dias de hoje? Por que os jornais fecharam as portas para este tipo de jornalismo? Isso expõe a banalidade de um jornalismo que qualquer pessoa medianamente inteligente e alfabetizada é capaz de fazer. O jornalismo que exige mais dedicação e informação dá trabalho e, talvez, a atitude mais fácil seja abandoná-lo. O bom texto jornalístico, hoje, é uma exceção. O texto de Nélson Rodrigues também era genial. Ninguém usava adjetivos como ele. Nélson falava como escrevia. Das pessoas que conheci como repórter, só duas faziam isso: Gilberto Freyre e Nélson Rodrigues. Uma das cenas que testemunhei que vão contra a mitologia do jornalismo foi uma entrevista que fiz com Nélson Rodrigues para o Diário de Pernambuco. Ele marcou a entrevista comigo na hora de um jogo da seleção brasileira. Era estranho, porque ele escrevia no Globo sobre futebol, e a entrevista não era sobre isso. Como é que ele podia marcar uma entrevista na hora de um jogo? Achei que ele tinha se enganado… Quando cheguei ao apartamento, ele levantou a mão e falou: "Conterrâneo!!". Eu lembrei a ele que o jogo seria na hora da entrevista, mas ele disse que não tinha problema. Era Brasil x Peru. Quando a seleção entrou em campo, ele colocou a mão no peito e falou: "Tira o som desse aparelho! O Brasil me faz mal! O Fluminense me faz mal!". Isso tudo durante a entrevista! De repente o Brasil fez um gol e ele solta uma expressão que, até então, eu nunca tinha visto ninguém usar: "Que coisa beleza!". Depois confundiu o replay daquele gol com um segundo gol. E eu pensando: "Meu Deus do céu, como é que ele vai escrever sobre isso?". Enquanto isso, falávamos de outros assuntos. Lembro de Nelson Rodrigues lamentando que os jovens não se matavam mais por amor: "No meu tempo, existia um pacto suicida entre os jovens apaixonados. Eles morriam de amor. Era lindo. Hoje ninguém se mata por amor!"
Quando acabou a entrevista, ele pegou o telefone e ligou para o Hotel Nacional. Pediu para falar com a cozinha: "Meu amigo, aqui fala Nélson Rodrigues. Qual é o prato do dia, hoje?". Ao receber a resposta, agradeceu, desligou e me perguntou: "Você me acha muito reacionário?". Respondi que não. No dia seguinte, comprei o Globo para ver o que ele havia escrito sobre o jogo. Estava lá: "O Brasil brilhou contra o Peru". Acredito que ele escreveu aquela crônica antes do jogo, pois não teria dado tempo. Nélson Rodrigues era tão genial que nem precisava ver um jogo para escrever sobre ele. Esta tarefa de anotar placar é para os "idiotas da objetividade". Para Nélson Rodrigues bastava fazer aquelas frases grandiosas. Tenho o livro "O Reacionário" autografado por ele, com a dedicatória: "Ao amigo doce e truculento Geneton". Entrevistar Nélson Rodrigues foi uma oportunidade que não deixei escapar.
Nesta época, eu a torcida do Flamengo sonhávamos em entrevistar Carlos Drummond de Andrade, que era super arredio. Eu tinha uns contatos com ele pelo telefone. O pretexto apareceu quando o Jornal da Globo, aquele telejornal do fim da noite, apresentava frases de pessoas famosas, e eu ligava para ele para pegar umas frases. O engraçado é que ele mesmo atendia ao telefone, quando hoje qualquer suplente de sub-celebridade tem dez assessores de imprensa e secretárias que não deixam você nem chegar perto. Já Carlos Drummond de Andrade adorava falar ao telefone mas tinha horror de contato pessoal. No fim das contas fiz a ele 76 perguntas sobre os mais diversos assuntos. Liguei com a desculpa de que queria publicar um livro sobre os 60 anos do poema "No meio do Caminho" em 1988. Para minha triste surpresa, ele morreu 17 dias depois da entrevista, que foi publicada no Jornal do Brasil no caderno Idéias, no sábado. Na terça-feira, ele morreu. A entrevista virou uma relíquia que transformei no livro "Dossiê Drummond" que acaba de ser relançado. Quando liguei para fazer a entrevista, Drummond estava com a filha doente, no hospital. Qual era a atitude civilizada que eu deveria ter tido? Não fazer a entrevista naquela hora! Mas às vezes acho que a falta de civilidade pode conspirar a favor da memória jornalística. É o que aconteceu neste caso: esta entrevista virou um documento biográfico importante sobre Carlos Drummond de Andrade. Então eu fico satisfeito quando consigo estas coisas, porque acho que o papel do repórter é esse: o de você, sem pretensão, produzir memória.