O que acontece hoje?
"Eu prefiro matar meus adversários de raiva a matá-los de fome"
(Reinaldo Azevedo)
A morte, ontem, de Joel Silveira, ou a “Víbora”, como Chatô (Assis Chateubriand) o chamava, me fez refletir sobre o papel do repórter, especialmente, do jornalismo brasileiro. Repórteres como ele, assim como José Hamilton Ribeiro são exemplos de que um jornalismo comprometido com a verdade já foi possível no Brasil e que não se trata de utopia, como muitos - insistem - acreditar.
Corrupção, conchavos, acordos sempre existiram e (infelizmente) sempre existirão no Brasil ou em outros lugares do mundo, como revela o vídeo “A Corporação” - que anda circulando pela rede. Mas algumas pessoas como o Joel Silveira - ícone para quem ainda acredita no jornalismo - conseguiram ultrapassar essas barreiras e mostraram que é possível ser sério em um país onde é necessário fazer um minuto de silêncio, como acontecerá amanhã, para protestar contra tudo o que anda acontecendo ao nosso redor. Ou ainda ter que ir as ruas para exigir o voto, como foi com o Movimento “Diretas Já”, em 1984 ou ainda tomar as ruas e pintar as nossas faces para assegurar o impeachment de um Presidente da República.
É. O Brasil nos provoca isso. De vez em quando nos revolta. Nos faz querer fazer algo a mais. De vez em quando nos dá um desânimo, mostrando-nos que a luta pode ser em vão. Mas pessoas como Joel Silveira nos fazem acreditar que tudo pode ser diferente, basta acreditar e trabalhar em prol disso.
Acreditar, por exemplo, que o jornalismo trata-se de uma grande ferramenta e que mesmo no interior é possível, sim, fazer um trabalho sério. Quando nos formamos é nisso que acreditamos. Na cerimônia de colação de grau, talvez muitos não prestem atenção, mas nós juramos. Em voz alta, dizemos:
“Juro cumprir minhas obrigações como jornalista dentro dos princípios universais de justiça e democracia, coerente com os ideais de comunhão e fraternidade entre os homens, para que o exercício da profissão redunde no aprimoramento das relações humanas que resultará na construção de um futuro mais digno, mais justo, para que os que virão depois de nós".
Para os que virão depois de nós! Então ser jornalista é uma grande responsabilidade. Não se trata apenas de receber releases, acreditar neles, e publicá-los. Vai, além disso. A notícia depende de uma apuração. Da apuração de fatos. Da apuração de verdades e mentiras. A notícia não é e não pode ser medida de acordo com a confiabilidade de uma fonte. É necessário “suar a camisa” e ir atrás de um furo de reportagem. Foi assim com tantos outros, como Joel Silveira e José Hamilton Ribeiro, pode ser assim com quem quiser.
Entretanto, a realidade do jornalismo é outra. Zapeando pela rede, li no Bodega Cultural sobre as demissões em massa nas redações, gerando o que nós (jornalistas) mais tememos: a falta de credibilidade do jornalismo brasileiro. Por esse motivo o momento agora - mais do que nunca - é de rever os conceitos editoriais. É inovar. Modernizar. Agir.
Joel Silveira foi um grande ícone para nós jornalistas. Daqueles caras que não temem a dizer a que veio e porque veio. Ele morreu ontem, aos 88 anos e deixou um legado. De que é preciso acreditar, acima de tudo!
Em tempo: o jornalista Felipe Cruz teve o privilégio de fazer uma das últimas entrevistas com Joel Silveira. Confiram no DTD News um pouco da essência deste repórter que entrou e fez história.
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Enquete: passo a bola para meus amigos blogueiros-jornalistas de plantão.
E então, ainda é possível fazer jornalismo de verdade?
10 comentários:
Muito legal seu texto.
Jornalismo de verdade! Sonho de toda uma classe... Bjkas
Sem querer acabei sendo um dos últimos a entrevistar Joel Silveira, O maior Repórter do Brasil, pouco menos de um mês antes de sua morte. A entrevista está publicado, inclusive com áudio, no meu blog: www.dtdnews.blogspot.com
Confere lá!
Que me chamem de doida varrida, insana, doidivanas, última romântica, utópica e sei-lá-mais-o-quê, mas apesar dos desencantos, da realidade de um mercado cruel, da desvalorização profissional, do desânimo que vez em quando se abate sobre mim, eu acredito no Jornalismo. Dá sim pra fazer a diferença. Ou pelo menos tentar.
Não dá é para fazer o "pacto da mediocridade" é achar que é isso mesmo e pronto. É preciso insistir antes de desistir.
Disse tudo, Jussa!
Acredito que é possível sim Thais. Difícil, mas nunca impossível. Podemos e temos o dever de fazer a diferença. O problema é que é sempre mais fácil se acomodar e fazer apenas o que os outros mandam. Não acredito que alguém possa ser realmente feliz e realizado sendo assim. Um jornalista de verdade tem compromisso com a veracidade dos fatos. Isso está no sangue. A propósito, vc tem o filme "A Corporação"? se tiver me passa via e-mail? Preciso para fazer trabalho para sábado. hehe Beijos
É, colegas !
Falou-se de jornalismo comprometido com a verdade, de responsabilidade, de furo...
E o fato é que qualquer termo comparativo entre décadas atrás e os dias de hoje não se sustenta.
Seria retomar a discussão se o Pelé faria mais gols hoje ou antigamente.
Se o que determinaria o desempenho dele seria a agilidade da tática do futebol moderno ou a genialidade do passado. Se o Tostines vende mais porque é fresquinho ou...o resto todos sabem.
Jornalistas comprometidos com a verdade ? Responsáveis ? Conheço-os aos montes na atualidade.
Mas ser jornalista à época de Joel, José Hamilton e muitos outros era ter uma massa ledora substancial à disposição.
Construia-se pensamento à exaustão a todo instante e em qualquer esquina; discutia-se de tudo pelo simples prazer de discutir.
Conhecia-se o verniz político do leitor pelo jornal que ele consumia.
Consultem o IVC quanto à tiragem dos maiores jornais do país hoje e há quarenta anos atrás em termos proporcionais da população brasileira.
Qual foi a grande reportagem da imprensa brasileira dos últimos dez anos ?
Furo com o advento da internet é algo plenamente utópico. Apresentem-me pelo menos um comprovadamente do qual vocês se lembrem nos últimos anos por gentileza.
Nossa geração não está afeita ao furo definitivamente, e a partir de um furo tornamo-nos a mais irritante e insuportável criatura do universo.
Vaidade tamanha que raríssimas vezes se traduz em uma matéria devidamente checada, contra-checada e apurada. Sem furos e no feijão-com-arroz somos muito mais humanos e digeríveis.
Somos reféns de um glamour sepultado, do tapinha nas costas do patrão, dos holofotes midiáticos.
Somos fruto do jornalismo Klark Kent. Mal distinguimos nosso limite social da espetacularização da notícia a qualquer preço. Exageramos e quebramos a cara. E ainda achamos tudo muito normal.
Fico com a precisa, porém sábia conceituação da radialista Roseli Tardeli em um congresso de radiojornalismo, em 1996: "Jornalismo é a arte de transformar a sociedade por meio da revelação dos fatos."
Estamos mesmo cumprindo tal papel ? Somos suficientemente humildes para reparar os nossos erros ? Ganhamos o bastante para termos assinatura de pelo menos um jornal diário, uma revista semanal, TV fechada e internet ?
O jornalista impotente ante a sanha de um mercado canibal mal se transforma por ora, se degrada ao receber muitas vezes menos do que um motorista de ônibus - sem desmerecer o último -...vai transformar o que afinal ?!
Sem notalgias, meus caros...vivamos e adaptemo-nos ao sabor das mudanças ditadas pela terceira onda. Sonhar é ótimo...desde que com a concreta possibilidade de dignidade.
Só creio de fato em novos tempos a partir de uma categoria fortalecida e engajada.
Bem dizia o Agenor: "Pois aquele garoto que ia mudar o mundo agora assiste a tudo do Grand Monde".
Furo de reportagem?
Me lembro de alguns, mas um - em especial - por os reporteres responsáveis terem sido os palestrantes da minha aula inaugural na faculdade, no Rio.
Tratam-se de Maria Elisa Alves e Rolland Gianotti - que juntos com a equipe de O Globo denunciaram na série de reportagens intitulada TESTE DO GUARANÁ, que um grande número de laboratórios de análises clínicas estava despreparado para diferenciar um frasco de urina de um outro contendo guaraná. A confusão resultou na emissão de laudos absolutamente falsos por quatorze laboratórios de diversos pontos da cidade, o que desencadeou uma série de investigações da Vigilância Sanitária.
Dá para enumerar muitos outros, Marcelo. Nem sempre é necesário "ficar em cimna do muro", como diria Agenor, para fazer jornalismo. E isso aconteceu há menos de dez anos. Em 1998.
É possível sim. Basta acreditar!
Pois é, minha cara Thaís...
Méritos para a dupla de O Globo...mas cá entre nós, por onde andariam Maria Elisa Alves e Rolland Gianotti ?
Não teriam sido presas da vaidade do furo à qual me referi no post anterior e simplesmente sumiram ?
Bem...ainda que ambos continuem na mídia, isso foge do foco do debate do blog.
Mas vale frisar que reportagens de cunho social e que marcaram época na imprensa brasileira não por acaso remontam aos tempos de Joel e José Hamilton.
E você disse 8 anos ?! Convenhamos...quase uma década é um tempo expressivo para tanto marasmo em nosso metiér. Saudações.
O jornalismo precisa ser "de verdade". Os textos cheios de verdades seja em que veículo for. Essa verdade que eu falo é a verdade pessoal de cada um. Seja num texto mascaradamente objetivo que redigimos, na verdade com a intenção de conduzir o leitor a uma interpretação, seja nos textos opinativos. Viva a liberdade de expressão..
Por outro lado, falando do que acho que a pergunta realmente se refere, jornalismo de verdade está cada vez mais difícil por esses dias. No seu texto você mesmo diz que há um esvaziamento de redações. Ou seja, cada vez menos pessoas para muito mais trabalho. Por isso o jornalismo denuncista de hoje em dia que não tem o cuidado de CHECAR, não em todos os veículos. Enfim, está difícil ter jornalismo de verdade, porque cada vez mais é a ideologia de mercado a que dita as regras.. Apesar de que alguns talentos ainda despontam..
respondido? bj
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